A libertação dos últimos 20 reféns israelenses vivos e de quase dois mil prisioneiros e detidos palestinos na semana passada marca um momento crucial na guerra em Gaza, embora não esteja claro se isso significaria o fim do conflito.
O presidente dos EUA, Donald Trump, principal arquiteto do plano, viajou a Israel e ao Egito para declarar o fim da guerra em uma grande cúpula com dezenas de líderes mundiais. Em seguida, ele partiu deixando algumas questões sem resposta.
Apenas a primeira fase do plano foi implementada, e somente alguns dos 20 pontos propostos por Trump foram alcançados até agora. Muitas das questões mais importantes – incluindo se o Hamas irá depor suas armas e quem governará Gaza – ainda precisam ser resolvidas.
A guerra realmente acabou?
Drones israelenses, ataques aéreos e bombardeios em Gaza pararam esta semana pela primeira vez em meses, enquanto a ala militar do Hamas não está mais mirando as forças israelenses no território – significando que os combates de fato cessaram.
Mas os militares israelenses ainda controlam cerca de metade de Gaza e só se retirarão após o Hamas cumprir condições adicionais.
Se isso representa o fim da guerra, depende a quem a pergunta é direcionada.
Trump declarou definitivamente que “a guerra acabou” durante seu voo para o Oriente Médio para presidir à assinatura do acordo de cessar-fogo. O documento assinado pelo presidente dos EUA e mediadores declarou um “fim” do conflito e a “abertura” de um “novo capítulo”.
No entanto, apenas horas antes da chegada de Trump, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou que a “campanha militar não acabou” e que seus inimigos estavam “tentando se recuperar para nos atacar novamente.”
O que acontece agora com as negociações?
Trump disse a jornalistas na segunda-feira (13) que as negociações para a próxima fase de seu acordo já começaram, mas não revelou quem está mediando e o que está sendo discutido.
As fases do seu plano estão “todas um pouco misturadas entre si”, acrescentou ele.
Um diplomata regional e uma fonte israelense informaram à CNN na terça-feira (14) que as conversas da segunda fase já começaram em Sharm el-Sheikh entre equipes técnicas.
Um alto funcionário do Hamas, Osama Hamdan, disse na semana passada que as negociações para a segunda fase se concentrarão na governança de Gaza, com um corpo administrativo tecnocrático palestino responsável pelo território.
De acordo com o plano de Trump, o corpo palestino teria supervisão de um organismo internacional chamado “Conselho da Paz”, que o presidente dos EUA presidirá, “com outros membros e chefes de Estado a serem anunciados”.
Esse conselho também iria incluir o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, uma figura controversa no Oriente Médio devido ao seu papel na guerra do Iraque em 2003.
O Hamas recebeu bem o apoio árabe e islâmico, mas sugeriu que rejeitaria um corpo internacional governando Gaza.
“(As negociações para uma segunda fase) serão fáceis se forem deixadas para os palestinos, mas serão difíceis se os israelenses decidirem interferir em nossos assuntos palestinos”, disse ele.
O Hamas realmente vai deixar as armas?
O grupo palestino afirma estar disposto a entregar a governança de Gaza, mas tem evitado questões relacionadas ao desarmamento – uma exigência-chave israelense.
Desde que o cessar-fogo entrou em vigor, integrantes armados do grupo já se reposicionaram em partes da faixa, entrando em confronto com outros grupos e clãs que se opõem a ele.
Trump disse aos líderes mundiais em Sharm el-Sheikh que exige a “desmilitarização” de Gaza e a formação de uma nova força policial civil para que a reconstrução comece.
Segundo o acordo, o Hamas também concordou em destruir toda “infraestrutura militar, de terror e ofensiva, incluindo túneis e instalações de produção de armas”.
Uma ISF (Força de Estabilização Internacional) deve ser implantada em Gaza assim que Israel se retirar, mas países-chave participantes já estão pedindo esclarecimentos.
O Egito, que deve desempenhar um papel importante na força, disse que quer que o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprove um mandato para “legitimar” sua presença na Faixa de Gaza.
Desse modo, o país não quer ser percebido ou reconhecido como uma “força de ocupação”, disse o ministro das Relações Exteriores egípcio à CNN.
Israel realmente vai deixar Gaza?
O exército israelense recuou apenas alguns quilômetros de suas posições e ainda mantém o controle sobre metade do enclave.
Espera-se que a retirada continue apenas quando uma força multinacional for implantada em Gaza.
Israel se comprometeu com uma retirada gradual do território e aceitou o plano de Trump, que estipula que não irá “ocupar ou anexar Gaza”.
No entanto, autoridades israelenses ressalvam que o processo de retirada estará condicionado ao cumprimento das obrigações do Hamas, incluindo o desarmamento e a desmilitarização do território.
Integrantes da extrema-direita da coalizão governista de Netanyahu — cujo apoio é crucial para manter seu governo — têm se oposto ferozmente à retirada de Gaza. Eles já defenderam anteriormente o incentivo à saída dos residentes palestinos para que assentamentos judaicos possam ser estabelecidos na região.
Haverá um Estado palestino?
Talvez uma das questões mais complicadas para encerrar definitivamente o conflito continue sendo o estabelecimento de um Estado palestino.
Muitas complicações impedem o processo, incluindo a oposição israelense a um Estado palestino, a expansão dos assentamentos judaicos na Cisjordânia, o conflito em curso em Gaza e uma liderança palestina envelhecida e corrupta, que os EUA e outras nações árabes dizem necessitar de reforma.
Mais de 150 países reconheceram um Estado palestino, com o Reino Unido, a França, o Canadá e a Austrália. O governo Trump manifestou-se duramente contra aliados que reconheceram a soberania palestina nas últimas semanas.
No entanto, é notável que o plano de Trump para Gaza reconheça as “aspirações” palestinas à soberania, mas não especifica se os EUA reconheceriam um Estado.
Trump tem demonstrado outros sinais de flexibilidade recentemente. Em Sharm el-Sheikh, o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, apertou as mãos do presidente americano – apenas semanas depois que os EUA revogaram seu visto para participar da Assembleia Geral da ONU.
Ao deixar o Egito, Trump não descartou apoiar um Estado palestino.
“Não estou falando de estado único ou estado duplo ou dois estados, estamos falando sobre a reconstrução de Gaza”, afirmou Trump aos repórteres durante o voo de volta.
“Muitas pessoas gostam da solução de um estado. Algumas pessoas gostam da solução de dois estados. Veremos”, disse ele. “Não me manifestei sobre isso.”
Fonte: Site Oficial CNN Brasil