Ninguém quer ouvir que tem câncer, mas quando a doença atinge uma pessoa jovem, a notícia é talvez ainda mais devastadora porque todo o futuro que estava sendo imaginado e planejado é posto em questão.
Infelizmente, o câncer de início precoce — doença em pessoas com menos de 50 anos — está sendo diagnosticado com maior frequência, segundo diversos estudos. E entre os cânceres de início precoce, o colorretal está entre os mais comuns.
“Foi chocante ver que uma pessoa jovem — perfeitamente em forma e saudável, sem fatores de risco, sem histórico familiar — poderia ser diagnosticada com doença em estágio 4. E então isso começou a se tornar cada vez mais comum, o que também é angustiante”, afirma Kimmie Ng ao correspondente médico-chefe da CNN, Dr. Sanjay Gupta, recentemente em seu podcast “Chasing Life”.
Kimmie, oncologista gastrointestinal e professora associada de medicina da Harvard Medical School, trata pacientes há duas décadas no Dana-Farber Cancer Institute de Boston, onde é diretora fundadora do Centro de Câncer Colorretal de Início Precoce, um dos primeiros centros do país a tratar adultos jovens com a doença.
A incidência de câncer tanto de cólon quanto de reto tem aumentado cerca de 2% ao ano em pessoas mais jovens desde meados dos anos 1990, segundo Kimmie, observando que isso está acontecendo tanto em homens quanto em mulheres, não apenas nos Estados Unidos, mas globalmente.
“É difícil receber um diagnóstico de câncer em qualquer idade, mas as pessoas mais jovens enfrentam desafios muito diferentes”, afirma Kimmie. “Oitenta por cento têm filhos com menos de 18 anos. Eles também cuidam de pais idosos. Estão no meio de suas carreiras. Algumas pessoas ainda estão estudando. Algumas pessoas ainda planejam expandir suas famílias.”
O câncer colorretal de início precoce já é a principal causa de morte relacionada ao câncer nos EUA em homens com menos de 50 anos e, se a tendência continuar, segundo Kimmie, se tornará a principal causa de morte por câncer em mulheres com menos de 50 anos até 2030.
Depois do câncer de mama, o câncer colorretal é agora a segunda principal causa em mulheres mais jovens.
Ela ressalta, no entanto, que em números absolutos, esses casos de câncer em pessoas mais jovens “ainda são bastante pequenos”, observando que “ainda é relativamente raro desenvolver qualquer um desses cânceres em uma idade muito jovem.”
Rastreamento é fundamental
Considerando todas as faixas etárias, os casos de câncer colorretal e mortes relacionadas nos EUA vêm diminuindo há décadas, diz Kimmie, atribuindo esse sucesso às melhorias no tratamento e aos esforços de saúde pública para promover o rastreamento. “Mas esse benefício não tem sido observado em pessoas com menos de 50 anos”, afirma.
Em 2021, a Força-Tarefa de Serviços Preventivos dos EUA, um conselho independente de especialistas médicos, reduziu a idade recomendada para início do rastreamento do câncer colorretal em pessoas assintomáticas de risco médio de 50 para 45 anos.
Mas Kimmie duvida que o painel reduzirá a idade novamente em breve, destacando não apenas os números absolutos relativamente pequenos, mas também outros fatores envolvidos na implementação de um programa de rastreamento bem-sucedido, como custos e riscos associados ao rastreamento, incluindo sangramento, complicações da sedação e falsos positivos.
Em vez disso, Kimmie acredita que o foco deve estar em descobrir por que está ocorrendo esse aumento no câncer colorretal de início precoce. “Quais são os fatores de risco?”, questionou. “Quem está em risco e como podemos identificar aquele paciente de 30 anos de alto risco para um rastreamento mais precoce?”
Também importante: Mais pessoas precisam fazer o rastreamento.
“Houve um esforço para rastrear 80% da população nos Estados Unidos, mas ainda não atingimos essa meta”, diz Kimmie. “Por isso, é realmente importante que continuemos os esforços de saúde pública para defender que o rastreamento pode salvar vidas e realmente precisa ser feito.”
O que você precisa saber sobre o câncer colorretal de início precoce? Kimmie compartilha cinco pontos importantes.
1. Conheça os sinais iniciais do câncer colorretal
Muitos tipos de câncer estão aumentando entre jovens em todo o mundo, diz Kimmie por e-mail à CNN, mas os cânceres do sistema digestivo estão aumentando mais rapidamente. Isso inclui câncer colorretal, câncer de pâncreas, câncer gástrico e câncer do trato biliar.
A detecção precoce é crucial. E conhecer os sintomas de alerta associados ao câncer colorretal é essencial, segundo Kimmie.
“Para os jovens… O sintoma mais predominante é a presença de sangue nas fezes”
“Por exemplo, se você observar sangue que está realmente misturado nas fezes, em vez de estar apenas sobre elas, na água do vaso sanitário ou no papel higiênico. Se estiver misturado nas fezes, isso pode ser um pouco mais preocupante e um pouco mais característico de uma causa maligna.”
A perda de peso não intencional é outro sintoma de alerta vermelho, acrescenta Kimmie.
Outros sintomas comuns incluem mudanças prolongadas nos hábitos intestinais, como diarreia ou constipação recentes, fezes mais finas e dor abdominal. Além disso, o cansaço pode indicar anemia ou baixa contagem de glóbulos vermelhos.
Independentemente do desconforto que essas conversas possam causar, Kimmie afirma que é crucial discutir quaisquer mudanças nos hábitos intestinais com seu médico.
2. Fatores ambientais podem estar alimentando o risco da doença
A cada geração, o risco tem aumentado, observa Kimmie. “O aumento de cânceres em jovens é geracional, com cada geração após 1950 experimentando uma incidência crescente”, diz.
“Por exemplo, alguém nascido em 1990 tem agora mais de 4 vezes o risco de desenvolver câncer retal e mais de 2 vezes o risco de desenvolver câncer de cólon em comparação com uma pessoa da mesma idade nascida em 1950.”
“Quando vemos esses efeitos, isso geralmente sugere que há alguma exposição ou exposições ambientais que aconteceram recentemente e estão contribuindo para esse aumento”, diz Kimmie a Gupta no podcast. “Então, a grande questão agora é: quais são essas coisas que estão realmente levando a esse aumento da incidência em jovens?”
Pesquisadores têm tentado identificar os fatores por trás dessa tendência preocupante.
“Acredita-se que a causa do aumento das taxas de cânceres em jovens seja devido a fatores ambientais”, diz Kimmie, observando que nossos genes não poderiam ter mudado tanto em 30 anos para serem os culpados.
Os fatores ambientais podem incluir obesidade, comportamento sedentário e dietas ricas em carne vermelha, alimentos processados, açúcar adicionado e bebidas açucaradas.
“A principal hipótese tem sido a obesidade”, diz Kimmie a Gupta, acrescentando que as taxas de obesidade nos EUA, que “têm aumentado drasticamente nas últimas décadas”, parecem acompanhar o aumento de cânceres gastrointestinais em jovens, incluindo o câncer colorretal. A obesidade aumenta a inflamação em todo o corpo, o que pode preparar o terreno para alterações pré-cancerosas.
No entanto, Kimmie afirma que a maioria dos pacientes jovens com câncer colorretal que ela e seus colegas têm atendido não são obesos.
“Muitos são corredores de maratona, são triatletas, se alimentam de forma muito saudável, comem orgânicos — e mesmo assim estão sendo diagnosticados com câncer colorretal em idade precoce.”
A influência de outros fatores ambientais ainda está sendo estudada, diz Kimmie, citando microplásticos como exemplo. A exposição a toxinas e a dieta na primeira década de vida também podem afetar o microbioma, permitindo que certos micróbios promotores do câncer se estabeleçam.
“Ainda estamos no início do entendimento sobre se esses são verdadeiros fatores de risco, se existe uma ligação e como eles realmente levam ao câncer, em termos desses mecanismos biológicos.”
3. Testes genéticos podem oferecer insights
A maioria dos casos de câncer precoce não é explicada por um fator hereditário, mas Kimmie afirma que pessoas diagnosticadas com qualquer câncer em idade jovem têm maior chance de serem diagnosticadas com uma síndrome hereditária, como a síndrome de Lynch ou polipose adenomatosa familiar.
“Todos os pacientes jovens diagnosticados com câncer devem passar por testes genéticos familiares”, afirma ela.
Também é importante conhecer o histórico familiar de câncer, diz Kimmie. “Se houver um histórico familiar, então uma pessoa pode ser elegível para exames de rastreamento de câncer, ou elegível para começar o rastreamento em uma idade mais jovem, e isso pode salvar vidas”, observou.
4. Pacientes mais jovens podem enfrentar maiores dificuldades
Se você foi diagnosticado com qualquer tipo de câncer, ser jovem tem suas vantagens, afirma Kimmie. Pacientes mais jovens tendem a ser mais saudáveis, para começar. Eles são mais propensos a suportar doses mais altas e mais ciclos de quimioterapia em comparação com pacientes mais velhos, e também podem se submeter a cirurgias e radiação com mais frequência.
No entanto, Kimmie afirma, “a sobrevida deles não é necessariamente melhor do que a de um paciente mais velho com câncer.”
Ela observou que, para o câncer colorretal, “os pacientes mais jovens” — aqueles com menos de 35 anos — “parecem ter uma sobrevida mais curta.”
5. Faça os exames preventivos
Kimmie reiterou a importância da realização de exames de triagem na idade apropriada de acordo com seu nível de risco: 45 anos para pessoas com risco médio, e mais cedo para aqueles com histórico familiar.
Ela também enfatizou como é crucial deixar de lado o constrangimento e o estigma e procurar seu médico, e até mesmo um familiar, caso apresente sintomas incomuns, como os mencionados anteriormente.
“É muito importante tentarmos normalizar essas conversas”, afirma.
A especialista acrescenta que também gostaria de ver os médicos rotineiramente e sistematicamente fazendo duas perguntas aos seus pacientes: “Está apresentando sangue nas fezes? Está tendo alterações nos hábitos intestinais? para que esses sintomas venham à tona”. Especialmente porque muitas pessoas relutam em mencionar isso por conta própria.
Fonte: Site Oficial CNN Brasil