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[Coluna] O protecionismo brasileiro está inspirando Trump?

Presidente dos EUA está usando muitos elementos de uma política econômica que sempre foi típica do Brasil e que explica por que poucas empresas brasileiras são competitivas no mercado mundial.Em várias regiões do mundo, empresas e governos estão preocupados com a política econômica agressiva do presidente dos EUA, Donald Trump. Eles se incomodam com as tarifas alfandegárias arbitrárias, as sanções impostas se as exigências do americano não forem cumpridas, as subvenções para setores que não têm competitividade.




Com Trump, o protecionismo econômico que sempre foi visto como uma peculiaridade brasileira encontrou eco nos Estados Unidos

Foto: DW / Deutsche Welle

Aqui no Brasil, algumas dessas medidas soam bem familiares, mesmo que elas não sejam impostas com a agressividade de Trump. O presidente americano usa muitos elementos de uma política econômica que há décadas é comum no Brasil.

Os governos brasileiros tradicionalmente protegem seu mercado interno com elevadas tarifas para produtos importados. Isso vale para produtos industriais de ponta, como automóveis e celulares, e também para artigos mais simples, como móveis, sapatos e roupas. A economia brasileira é uma das mais fechadas entre as maiores do mundo.

Por anos o Brasil manteve uma política de substituição de importações: tudo deveria ser fabricado aqui, incluindo computadores e automóveis. Oficialmente essa política não vale mais, mas, mesmo assim, as tarifas alfandegárias brasileiras fazem com que os consumidores brasileiros paguem mais caro pela maioria dos produtos – e geralmente com qualidade inferior.

As subvenções a setores não competitivos também são comuns no Brasil. Se Trump interfere a favor de siderúrgicas ultrapassadas no Rust Belt, o Brasil se permite ter uma Zona Franca de Manaus, onde produtos eletrônicos são montados a partir de peças importadas. A participação local na cadeia de valor é pequena, e a produção só compensa por causa das isenções fiscais às custas do Estado.

Lobby em Brasília

Nos Estados Unidos, empresários peregrinam até Washington na esperança de que Trump vá ouvi-los. No Brasil, todas as grandes empresas têm escritórios de lobby em Brasília para tentar convencer deputados, senadores e ministros de suas posições. Há quem sugira acrescentar mais um B na lista dos lobbys mais influentes no Congresso Nacional, os chamados 3B (Bíblia, bala e boi) por causa da enorme influência das bets sobre os políticos brasileiros.

Também na política econômica externa o Brasil já faz há décadas o que Trump agora persegue: o americano não quer fechar acordos de livre comércio com outros países ou regiões. Ao contrário: Trump quer renegociar ou até mesmo abolir a zona de livre comércio com o Canadá e o México, a USMCA, que antes se chamava Nafta, e que há 30 anos vem funcionando bem.

No centro dos interesses de Trump está o mercado dos EUA. Empresas americanas devem poder exportar sem dificuldades, já as importações são, nessa perspectiva mercantilista, algo ruim.

O Brasil, ao longo da sua história, também recusou acordos de livre comércio com outros países. Há 20 anos, o Brasil e outros países da região derrubaram a proposta de uma zona de livre comércio em todo o continente americano que era capitaneada pelos Estados Unidos.

As negociações entre a União Europeia e o Mercosul também já existem há mais de 20 anos. Se um acordo for alcançado agora, o Brasil obterá prazos de transição generosos para muitos mercados. Isso não é o que se pode chamar de livre comércio.

O próprio Mercosul não é exatamente uma exceção à essa regra: são tantas exceções e regras especiais para produtos que não se pode falar de uma comunidade econômica, mas, na melhor das hipóteses, de uma zona de livre comércio cheia de lacunas.

Parece até que aquilo que sempre foi visto como uma peculiaridade brasileira – protecionismo, dirigismo estatal e desconfiança em relação ao livre mercado – encontrou um eco surpreendente nos EUA. Como afirmou o especialista em política externa Matias Spektor, “pela primeira vez, o Brasil exporta know-how para os Estados Unidos”.

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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.

O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.

Fonte: Site Oficial Terra

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