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Europa inicia debate sobre limites da globalização do futebol e identidade esportiva

A discussão sobre os limites da globalização no futebol europeu ganhou força nas últimas semanas e vem mobilizando entidades, clubes, torcedores e até a União Europeia. A Fifa estuda rever seus regulamentos para proibir a realização de partidas de ligas nacionais fora de seus países de origem. O tema, que à primeira vista parece esportivo, na verdade tem implicações diretas sobre modelos de negócios, autonomia das ligas e o equilíbrio financeiro do futebol mundial.

De acordo com o jornal britânico The Guardian, a Fifa busca pareceres jurídicos antes de formalizar uma nova regra que impeça as ligas de transferirem jogos para outros continentes. Será a primeira revisão dos regulamentos sobre o tema em 11 anos. O movimento surge em resposta a uma tendência recente de clubes e ligas nacionais levarem partidas para mercados estrangeiros, principalmente Estados Unidos, Austrália e países do Oriente Médio, em busca de novas receitas e exposição internacional.

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Na Europa, a resistência a esse modelo vem crescendo. A Uefa atendeu aos pedidos da La Liga e da Serie A e autorizou a mudança, mas se posicionou contra a realização de jogos das competições nacionais fora de seus territórios. Em nota, a entidade europeia reafirmou “oposição clara à realização de jogos da liga nacional fora do país de origem” e declarou que vai colaborar com a Fifa para criar normas mais rígidas sobre o tema.

Segundo o advogado Cristiano Caús, especialista em direito esportivo e sócio da CCLA Advogados, a iniciativa representa um embate entre o poder regulatório global e a liberdade econômica das ligas europeias. “A Fifa tenta atualizar suas regras para lidar com uma questão que ficou sem resposta nos últimos anos: até que ponto é permitido que ligas nacionais levem seus jogos para fora do país. No fundo, é um tema que envolve equilibrar o poder regulatório da Fifa com a autonomia das ligas num futebol cada vez mais global”, afirma.

As tensões aumentaram após La Liga e Serie A aprovarem partidas fora da Europa, com aval das respectivas federações anfitriãs. O Barcelona e o Villarreal jogarão em Miami, no dia 20 de dezembro, enquanto Milan e Como se enfrentarão em Perth, na Austrália, em fevereiro. A decisão gerou forte reação do Real Madrid, que classificou a prática como “uma ameaça ao equilíbrio competitivo” e alertou para “consequências graves que marcariam um ponto de virada no futebol mundial”.

Os protestos extrapolaram o campo esportivo. A Comissão Europeia se manifestou por meio do comissário Glenn Micallef, que declarou estar “profundamente decepcionado com as propostas de sediar partidas de liga nacional fora da Europa”. A entidade Football Supporters Europe (FSE), que reúne mais de 400 grupos de torcedores de 25 países, também divulgou uma carta aberta chamando o modelo de “absurdo, inacessível e ambientalmente irresponsável”.

Apesar das críticas, há quem defenda que o deslocamento de jogos pode representar um caminho legítimo de internacionalização. Reginaldo Diniz, CEO da agência End to End, aponta que “jogos de abertura ou pré-temporada podem ser um ótimo ativo de exposição e internacionalização de marca”, citando o sucesso da NFL, liga norte-americana de futebol americano, que realiza partidas em Londres e Frankfurt. Contudo, ele alerta que o calendário apertado e a complexidade logística do futebol europeu tornam arriscado expandir esse modelo para partidas oficiais de campeonatos nacionais.

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O argumento econômico é central no debate. Ligas como a Premier League, que chegaram a cogitar jogos fora da Inglaterra, já desistiram da ideia. Segundo o diretor-executivo Richard Masters, “a necessidade de jogar no exterior se dissipou”. Mesmo assim, a globalização continua a ser um fator de pressão. A crescente busca por novas receitas, o aumento dos custos operacionais e a competição com mercados emergentes fazem com que clubes e dirigentes considerem alternativas cada vez mais ousadas.

Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, empresa que representa atletas e clubes em todo o mundo, defende uma visão pragmática. “São aceitáveis algumas críticas a essas mudanças, mas nenhuma se sustenta após ponderação de tudo o que está em volta de um jogo. Muitos torcedores não sabem de onde vem o dinheiro que sustenta seus clubes”, explica. Ele ressalta, contudo, que é preciso cuidado para evitar que equipes menores vendam mandos de campo de forma desigual, beneficiando os grandes.

A disputa em torno da globalização do futebol europeu ultrapassa o debate esportivo e revela um conflito de modelos econômicos. De um lado, a preservação das tradições e da integridade das competições. Do outro, o impulso por expansão global e novas fontes de receita. A Fifa, ao tentar colocar limites formais a esse movimento, reabre uma discussão sobre até onde o futebol pode ir em nome dos negócios.

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Com o avanço das negociações e a promessa de uma nova regulamentação até o início do próximo ano, a Europa volta a ser o epicentro de uma questão que toca no coração do esporte mais popular do mundo: o equilíbrio entre identidade, mercado e poder.

Fonte Site Oficial infomoney

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