Todos merecem uma segunda chance. Então, depois de “reprovar” o Fiat Fastback no meu primeiro contato, resolvi passar mais uma semana ao volante de uma unidade da linha 2026, que chegou este mês, para ver se ele me convencia.
Fastback é um SUV-cupê que está mais para um SUV-sedã
Afinal, o Fastback é um sucesso de vendas: entre consumidores “reais”, as vendas de varejo, foi o modelo mais emplacado da Fiat no Brasil no mês passado – e hoje é o segundo colocado no ano, atrás só da Strada (no varejo, fica à frente de Argo, Mobi e Strada, mas estes têm grande parte das vendas para frotistas e locadoras).
O design do Fastback mudou pouco na linha 2026, mas apenas detalhes como grade, para-choques e rodas, sem alterar suas formas básicas. Ainda é um SUV-cupê que está mais para “SUV-sedã”. Uma espécie de Cronos “bombado” e com rodas maiores.
Não por acaso: o Fastback nasceu da base do Cronos (e do Argo), e disso resulta a estranheza de suas linhas. É um carro grande com entre-eixos curto, e a traseira foi elevada e o teto “alongado” para chegar às formas de um SUV-cupê usando uma plataforma que não era ideal. Isso resultou em uma estranha desproporcionalidade entre lataria, área envidraçada e rodas – que parecem pequenas, mesmo com aro 18.
Essa mesma plataforma de carro popular acarreta em outros problemas e defeitos do Fastback. Para começar, os 2,53 m de entre-eixos (só 1 cm a mais que no Argo) limitam o espaço para os passageiros (invertendo a propaganda do finado VW Fox, eu diria que o Fiat Fastback é “gigante pra quem vê e pequeno pra quem anda”).
Além disso, o balanço traseiro (medida da roda ao para choque traseiros) ficou grande, o que reforça a sensação de desproporcionalidade e faz a traseira raspar em certas rampas e valetas (o ângulo de saída é de 24,5o; SUVs compactos têm em média 30o).
Por fim, a origem “simples” do Fastback se revela na cabine, onde o acabamento mescla a simplicidade de Argo/Cronos com componentes de Jeep e muitos equipamentos. Volto a esse ponto mais adiante.
O que os olhos veem…
“Tudo bem, mas, com tantas características ruins, como pode vender tão bem?” Além de ter um porta-malas enorme, que atrai bastante quem busca um carro para viajar com a família, o grande segredo do sucesso do Fiat Fastback está na imagem que ele transmite.
Eu diria que é um mestre da ilusão: o visual conquistou o mercado porque brasileiro compra carro pelo design e os SUV-cupês estão na moda – e eles são, de maneira geral, assim mesmo, estranhos (o Fastback ainda mais, já expliquei por quê).
De qualquer modo, para quem olha de fora, o Fiat Fastback parece bem mais do que realmente é. É um verdadeiro “carro de imagem”. E parecer com um BMW X4, em vez de envergonhar os donos pela cópia descarada, é motivo de orgulho para eles.
Imponente, o Fiat Fastback garante status superior ao de outros modelos da mesma faixa de preços – começa em meros R$ 120 mil, na versão sem nome de entrada, subindo a R$ 160.990 na versão Audace e a R$ 167.990 na Impetus avaliada. Nela, são opcionais bancos de couro (R$ 1.340) e controle por app/alerta de ponto cego (R$ 3.990). Só faltou o teto panorâmico de R$ 4.990. Mas aí ele vale a pena levar o Abarth, bem mais potente.
Além de trazer elementos internos compartilhados com os Jeep para “subir de categoria”, o Fiat Fastback também ilude por ser – relativamente – bem equipado. Tem itens como “iluminação de poças”, ADAS, freio de estacionamento elétrico, ar-condicionado automático, retrovisor interno eletrocrômico e externos rebatíveis eletricamente com tilt down, sensor de chuva, painel digital e uma bela central multimídia… Mas há ausência com a de airbags de cortina (são apenas quatro bolsas: dianteiras e laterais dianteiras).
De qualquer modo, exceto pela versão de entrada, não é uma pechincha, mas é uma “porta de entrada para o mundo dos SUV-cupês”. Ele conquista pela imagem, mesmo havendo compras melhores, racionalmente: sedãs médios de altíssima qualidade como Nissan Sentra 2.0 e toyota Corolla, por exemplo, ou SUVs compactos como o T-Cross e Nissan Kicks. O Fastback é mais para quem busca estilo e imagem, uma compra emocional – e não estou falando de emoção ou prazer ao volante.
…o “coração” não entrega
Afinal, se a imagem remete à mistura da “aventura” dos SUVs com a esportividade e a dinâmica dos cupês, não é bem isso que vemos ao volante. Para começar, por culpa da mecânica “principal”, que não chega a ser ruim, mas também não esbanja potência.
São 130 cv e 200 Nm nas versões T200 – a de entrada (sem nome), a Audace e a Impetus. O motor 1.0 com três cilindros tem um ruído desagradável e um certo excesso de vibração a partir de 3.000 rpm – ouvidos e sentidos na cabine devido ao isolamento acústico ruim e à base simples, mas que não incomodam em velocidade de cruzeiro.
O câmbio CVT, por outro lado, tem ótima calibração, simulação de marchas e opção sequencial (aletas ou alavanca), e agrada até a quem costuma reclamar desse tipo de transmissão. Ainda assim, o conjunto não garante um desempenho tão bom, principalmente na cidade, onde senti certa lentidão nas respostas – sensivelmente melhorada ao ativar o modo Sport, por uma botão muito bem localizado no volante.
Porém, no caso de Fastback e Pulse, a grande aposta da Fiat no momento está no sobrenome “Hybrid” estampado nas carrocerias. Eles estrearam essa denominação nos modelos nacionais da marca – embora não sejam híbridos “de verdade”.
Esses Fiat são, na realidade, normalmente chamados de MHEV ou micro-híbridos. Usam uma pequena bateria de lítio e um motor-gerador auxiliar de só 4 cv e 9,8 Nm. Na prática, ele apenas preenche “buracos” da mecânica a combustão – então não espere muita melhoria no consumo: o ganho fica entre 5% e 10%, conforme a situação de uso.
Durante uma semana ao volante, na cidade, onde os sistemas híbridos costumam ser mais eficiente, fiz médias entre 8 e 9,5 km/l com gasolina (e a cada 50 quilômetros o sistema “regenerou” menos de 0,8 kWh). Já na estrada, a 120 km/h, marquei só 13 km/l.
É um consumo mais próximo do que vemos em carros “normais” do que nos híbridos verdadeiros (HEV). E, ao volante, a única hora que você sente sutilmente o sistema MHEV atuar é ao acelerar suavemente em baixas velocidades, como em meio ao anda e para do trânsito, quando nota que ganha velocidade sem o ponteiro do conta-giros mexer nem o ruído do motor aumentar, pois está usando a tal da “ajudinha” elétrica.
As maiores vantagens de ser “híbrido”, no fim, aparecem na liberação do rodízio de veículos na capital paulista e em eventuais isenções ou descontos no IPVA, dependendo da legislação da cidade e do estado. E, na minha modesta opinião, considerando o benefício mínimo para o meio-ambiente, nenhuma das medidas faz muito sentido.
Potência não é nada sem chassis
Forte mesmo – e com funcionamento bem mais “liso” – são as versões “top” T270 Limited Edition e Abarth, com um motor quatro cilindros 1.3 turbo de 185 cv que está disponível também no Jeep Renegade de R$ 118.900.
Elas trazem câmbio automático tradicional de seis marchas, mais adequado à proposta esportiva, e, principalmente no Abarth, chegam bem mais próximo da promessa nascida da referência aos “cupês” – mas não são exatamente o que se espera de um carro esportivo, pois pecam na dinâmica, de novo culpa da plataforma “popular”.
O sistema de suspensões traz aquela típica maciez da Fiat, deixando a carroceria inclinar demais nas curvas, e, ao mesmo tempo, pra mitigar esse problema e por culpa dos pneus, amortecedores e molas escolhidos, pula demais em buracos. E a aerodinâmica também não colabora, deixando o Fastback muito suscetível a ventos laterais.
Para completar, as respostas dos freios e do sistema de direção com assistência elétrica não são exatamente primorosas – lembrando que perfumaria e design invocado não conseguem esconder os defeitos claros decorrentes do chassi/plataforma.
Nas estradas de terra, o “lado SUV” da suspensão me agradou mais, graças ao bom vão livre do solo (19,2 cm), mas uns pneus mais borrachudos aumentariam o conforto. Os freios, novamente, me decepcionaram: exigiram longas distâncias nas frenagens em pisos com pouca aderência e pedriscos.
O cliente (e o marketing) sempre têm razão?
Se você chegou até aqui, a minha conclusão, após mais esta semana com o Fiat Fastback, já deve estar clara: ele não me convenceu. Do design ao sistema “híbrido” pouco eficiente, passando pela dinâmica deficiente, o Fastback não é para mim.
Mas nem sempre o que agrada à crítica é o mesmo que agrada ao público. Certo é que o departamento de marketing da Fiat acertou em cheio, como de costume, ao focar nos interesses e nos desejos do consumidor. Conquistou o mercado e está vendendo muito, apesar de críticos, como eu, não gostarem do Fastback.
Depois de mais de 20 anos de carreira e mais de 1.000 carros avaliados, tenho, como qualquer consumidor, direito à escolha. E digo que não compraria um Fastback (na verdade, nenhum SUV-cupê: abomino essa espécie contraditória).
Como especialista, porém, cabe a mim apontar os problemas e as qualidades de cada carro. E o Fiat tem muito dos dois. No fim, é claro que você, consumidor, pode dar ouvidos à minha opinião ou simplesmente desprezá-la. O Fastback é um sucesso absoluto de público, e dizem que o cliente sempre têm razão. Será?
Fonte: Site Oficial Terra