Papa Leão XIV recebeu no Vaticano seis membros de uma associação internacional de direitos humanos que luta por maior apoio e indenizações às vítimas de abusos
Da Redação, com Vatican News
Membros do Conselho Diretor da Ending Clergy Abuse em coletiva de imprensa nesta segunda-feira, 20 / Foto: REUTERS/Guglielmo Mangiapane
Um momento de diálogo, marcado por acolhimento e escuta. Pela primeira vez, o Papa Leão XIV recebeu um grupo de vítimas de abusos e ativistas que lutam contra o que os últimos pontífices chamaram de uma “chaga”. O encontro foi realizado nesta segunda-feira, 20, no Palácio Apostólico no Vaticano.
Participaram do encontro seis membros do Conselho Diretivo da Ending Clergy Abuse (ECA Global), organização de direitos humanos composta por ativistas e vítimas de abusos sexuais cometidos por representantes da Igreja Católica, provenientes de mais de 30 países e seis continentes. A rede, especialmente ativa nos Estados Unidos, desde sua fundação em 2018, trabalha para que a Igreja Católica siga as recomendações da ONU de 2014 quanto a uma política eficaz de “tolerância zero”.
Ao Papa, o grupo leu uma declaração própria, para iniciar a audiência “de mente aberta”, e apresentou o projeto Iniciativa Tolerância Zero. Destacou-se “a importância de padrões globais coerentes e políticas centradas nas vítimas”. Durante o encontro, também se falou sobre o trabalho da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores, que na semana passada apresentou seu segundo relatório anual. O Papa sugeriu que houvesse um “diálogo” entre os dois organismos.
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Papa Leão XIV / Foto: REUTERS/Ciro De Luca
Segundo os membros da ECA, a audiência com o Papa representou “um passo histórico e cheio de esperança rumo a uma maior cooperação”. Palavras que que foram registradas pela organização em uma declaração e, depois, apresentadas à imprensa em uma conferência realizada nas proximidades do Vaticano, pelos seis participantes do encontro com o Pontífice: Gemma Hickey (Canadá), Timothy Law (EUA), Evelyn Korkmaz (Canadá, Primeira Nação), Matthias Katsch (Alemanha), Janet Aguti (Uganda) e Sergio Salinas (Argentina). Todos provenientes de contextos e culturas diferentes, mas unidos pelo mesmo objetivo: garantir que os abusos nunca mais se repitam e promover uma colaboração mais eficaz com a Igreja.
Acolhimento e escuta
Os seis membros da ECA expressaram unanimemente satisfação pela audiência com Leão XIV — por sua postura, abordagem e capacidade de ouvir.
“O Papa Leão foi muito aberto, e cada um de nós pôde compartilhar reflexões pessoais. Ele foi muito caloroso. Escutou-nos… Também tem um ótimo senso de humor. É realmente humilde.”, declarou Gemma Hickey, vítima de abusos em Newfoundland e Labrador (Canadá) por parte de um sacerdote que foi primeiro afastado e depois transferido para duas paróquias.
“Foi uma conversa profundamente significativa. Reflete um compromisso compartilhado com a justiça, a cura e uma mudança verdadeira”, acrescentou Hickey. “Os sobreviventes há muito tempo buscam um lugar à mesa das negociações, e hoje nos sentimos ouvidos.”
Um diálogo direto e respeitoso
O encontro de ontem nasceu de uma carta enviada pela ECA ao recém-eleito Pontífice. Inspirados pelas palavras de Robert Francis Prevost, os membros da entidade se apresentaram “como construtores de pontes, prontos para caminhar juntos rumo à verdade, à justiça e à cura”. Em tempos tão “polarizados”, escreveram, “o ato mais radical que podemos fazer agora é sentar e conversar”. O Papa respondeu positivamente à carta e aceitou a oportunidade de um diálogo direto e respeitoso sobre os caminhos a seguir. Daí surgiu a reunião privada no Palácio Apostólico, que durou cerca de uma hora, mas foi densa em testemunhos e propostas.
“Viemos não apenas para expressar nossas preocupações, mas também para avaliar como podemos colaborar para garantir a proteção de crianças e adultos vulneráveis em todo o mundo”, afirmou Janet Aguti, de Uganda, vice-presidente do conselho da ECA.
Não havia “raiva”, esclareceu Gemma, mas apenas “esperança” de responsabilidade e mudança duradoura. “Acreditamos na dignidade intrínseca de cada criança e adulto vulnerável, na coragem de cada sobrevivente e na responsabilidade moral da Igreja de agir com transparência e compaixão. Nossa missão é apoiar os que sofreram danos, promovendo reformas que protejam os mais frágeis e contribuindo para restaurar a confiança e a integridade de uma instituição que sabemos ser capaz de realizar grandes coisas.”
Não ao confronto, sim ao trabalho conjunto
O objetivo, acrescentou Tim Law, cofundador e membro do conselho da ECA nos EUA, “não é o confronto, mas sim a responsabilidade, a transparência e a disposição de trabalhar juntos para encontrar soluções”. Isso não é pouco, considerando que muitos — como relataram —, ao buscarem ajuda, encontraram apenas um muro. “Como sobrevivente de uma escola residencial, carrego o peso do trauma intergeracional causado por instituições que deveriam nos proteger. O encontro de hoje é mais um passo rumo à verdade e à reconciliação”, destacou a canadense Evelyn Korkmaz.
Já Matthias Katsch, da Alemanha, explicou que pediram ao Pontífice que oferecesse “esperança”, entendida como “justiça”, “indenizações” e “melhores proteções para crianças e adultos vulneráveis”. “Hoje, não basta mais que os sobreviventes falem”, acrescentou. “É necessário que a sociedade escute.” Não é apenas a Igreja — é toda a sociedade, inclusive a italiana — que precisa estar disposta a ouvir e tirar consequências do que os sobreviventes revelaram.
Durante a conferência, também falou Francesco Zanardi, membro da ECA e da associação Rete L’Abuso, que anunciou a elaboração de um relatório sobre os casos de abuso e pedofilia clerical na Itália.
A organização concluiu o encontro “ressaltando a urgente necessidade de um diálogo contínuo, compassivo e colaborativo, para construir um futuro em que segurança, responsabilidade e dignidade não sejam apenas defendidas, mas em que as vozes dos sobreviventes sejam exemplo para todos”.
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Fonte Site Oficial Canção Nova