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Os ‘detetives de guerra’ que solucionaram mistério de soldados desaparecidos após mais de 100 anos




Uma pequena e dedicada equipe identificou dois soldados escoceses que morreram na frente de batalha mais de um século atrás, no norte da França

Foto: BBC News Brasil

Quatro anos atrás, trabalhadores da construção civil limpavam o terreno para um novo hospital no norte da França, quando fizeram uma descoberta sombria.

Eles desenterraram os restos mortais de mais de 100 pessoas. Não é uma descoberta incomum naquela região e a polícia sabia exatamente quem deveria avisar.

Stephan Naji é o chefe da unidade de recuperação da Comissão de Túmulos de Guerra da Comunidade Britânica (CWGC, na sigla em inglês). Ele chegou ao local em questão de horas.

Aquele foi o início de uma meticulosa investigação que acabou por solucionar um mistério que já durava 100 anos, identificando dois soldados escoceses desaparecidos.

Naji chefia uma equipe de especialistas em arqueologia, que ficam de plantão 24 horas por dia, sete dias por semana.

Assim que confirmaram a descoberta de corpos de soldados, eles retiraram os restos e artefatos restantes, para extrair o máximo de informações possível.

O local da construção, em Lens, estava na frente ocidental durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Aquele foi o palco da batalha de Loos, uma das maiores do conflito.

Na sede da comissão, perto de Arras, no norte da França, ele nos mostra bandejas contendo os objetos desenterrados. Eles incluem partes de botas, fivelas de cintos enferrujadas, distintivos usados nos ombros, botões e insígnias regimentais.

A equipe de Naji analisou tudo o que foi encontrado.



Botas, insígnias e fivelas: artefatos conservados apesar do tempo e encontrados junto aos restos de soldados da Primeira Guerra Mundial

Foto: BBC News Brasil

Milhares de soldados ainda estão desaparecidos naquela região. E a descoberta de itens de regimentos individuais permitiu que os investigadores selecionassem quem poderiam ser aqueles indivíduos.

Distintivos indicaram que os restos poderiam incluir soldados que lutaram por dois regimentos escoceses, os Gordon Highlanders e os Cameron Highlanders.

Mas, para determinar quem eram eles, foi preciso transferir o caso para outra unidade especializada, no Reino Unido.



A assistente social Nicola Nash passou anos investigando os dois soldados

Foto: BBC News Brasil

Um edifício de escritórios comum, em um canto do quartel de Imjin em Gloucester, na Inglaterra, abriga uma pequena unidade do Ministério da Defesa britânico, chamada Centro Conjunto Solidário e de Fatalidades (JCCC, na sigla em inglês).

Esta equipe tem a tarefa de identificar soldados britânicos mortos em campanhas históricas. Poucas pessoas conhecem o trabalho dessas pessoas, apelidadas de “detetives de guerra”.

Nicola Nash é assistente social do JCCC há 10 anos. E, em 2023, ela ficou sabendo dos restos encontrados na França dois anos antes.



Foram encontrados botões metálicos com o logotipo da companhia de bondes Newcastle Corporation Tramways, junto aos restos mortais

Foto: BBC News Brasil

Depois de examinar a lista dos soldados da Cameron Highlander ainda desaparecidos da Batalha de Loos, Nash restringiu sua pesquisa a nomes individuais que podiam ser verificados no censo de 1911.

Ela também observou um detalhe curioso. Um dos homens havia sido encontrado com pequenos botões da companhia de bondes Newcastle Corporation Tramways.

“Claramente, isso era muito incomum para um soldado escocês”, declara ela. “Imaginei se eu poderia usar esses botões para tentar fazer a identificação.”



Os registros históricos ajudaram Nicola a identificar um dos soldados

Foto: BBC News Brasil

Entre os nomes manuscritos que preenchem as colunas do censo de 1911, ela encontrou um assistente de tabacaria chamado Gordon McPherson.

“A informação chave foi que encontramos James, seu pai, que trabalhava como almoxarife para a Newcastle Corporation Tramways”, conta Nash.

A equipe precisava ter certeza de que os restos eram mesmo de Gordon McPherson. Ou seja, eles precisavam encontrar parentes vivos, dispostos a realizar um teste de DNA.

“Quando consegui o nome de alguém que, provavelmente, estaria vivo, comecei a pesquisar no Google, por exemplo”, explica ela. “Existem reportagens na imprensa sobre eles? Eles têm LinkedIn, estão no Facebook?

“É assim que consigo, eventualmente, encontrá-los.”



Os irmãos Alistair (esq.) e Andrew McPherson com a caixa preta que passa de geração em geração

Foto: BBC News Brasil

A pesquisa levou a dois irmãos, Andrew e Alistair McPherson, de Whitley Bay em North Tyneside, na Inglaterra.

Quando eram crianças, eles ficaram fascinados pelo que chamavam de “a caixa preta”, uma herança de família que era passada de geração em geração.

Durante suas visitas aos avós, eles pediam para descer a caixa preta do sótão, para poderem observar seu conteúdo.

Nela, havia uma bala de mosquete da Guerra dos Bôeres, travada na África do Sul no final do século 19, medalhas, citações e cartas, algumas delas, agora, pouco legíveis.

Os dois homens estão na casa dos 60 anos e as comoventes cartas escritas pela sua bisavó, procurando seu filho perdido, trazem lágrimas para os seus olhos.



Fotografia tirada durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) mostra, da esquerda para a direita, os irmãos Charles, Gordon e Jim McPherson, com seu pai James (sentado)

Foto: BBC News Brasil

Os diários de guerra regimentais mostram que seu tio-avô, Gordon McPherson, foi morto em combate no primeiro dia da Batalha de Loos. Mas seu corpo nunca havia sido encontrado.

Até que, no ano passado, Alistair McPherson recebeu uma carta do Ministério da Defesa, dizendo que foram encontrados restos mortais na França que talvez pertencessem ao seu parente.

“Fiquei tremendo como uma folha”, relembra ele.



As fotografias da caixa preta capturaram momentos espontâneos de uma vida interrompida pela guerra

Foto: BBC News Brasil

A carta, enviada por Nicola Nash, dizia que se acreditava que o corpo poderia ser de Gordon McPherson porque foram encontrados dois botões da Newcastle Corporation Tramways com os restos.

“Meu bisavô era inspetor-chefe da Newcastle Tramway”, conta Alistair McPherson. “Por isso, imaginamos que ele teria dado os botões a Gordon para dar sorte. E funcionou, pois eles ajudaram a identificar seus restos.”

Foi realizado o teste de DNA, que confirmou o parentesco.

A investigação determinou que eles haviam encontrado o corpo do soldado Gordon McPherson, de 23 anos, do 7° batalhão dos Cameron Highlanders.

Antes da guerra, ele morava e trabalhava como vendedor em uma tabacaria, na capital da Escócia, Edimburgo.

Gordon e seus irmãos, Jim e Charles, serviram no exército britânico durante a Primeira Guerra Mundial. Charles era corneteiro e tinha apenas 14 anos de idade.

Seu pai, James McPherson, era sargento-mor regimental dos Fuzileiros de Northumberland (Inglaterra).

Andrew McPherson revelou que escorreram lágrimas quando veio a confirmação de que os restos de Gordon haviam sido encontrados.

“Sua história, na verdade, sempre esteve presente na família e todos sempre se perguntaram o que teria acontecido com Gordon’, ele conta. “Parece um completo milagre que ele tenha sido encontrado.”



James Allan tinha 20 anos quando morreu, no primeiro dia da batalha de Loos, em 1915

Foto: BBC News Brasil

Mas definir a identidade do segundo soldado escocês foi mais difícil.

Acreditava-se que ele servisse com os Gordon Highlanders e os botões encontrados na França indicavam que ele poderia ser um oficial.

Mas a pesquisa era complicada, pois ele foi descoberto ao lado de cinco grupos diferentes de restos mortais.

Usando os registros de guerra, Nicola Nash descobriu que 14 oficiais do regimento estiveram na região. Ela localizou as famílias de todos eles e foram realizados testes de DNA.



Alexia Clark, assistente social do JCCC, mora perto de uma das famílias de soldados

Foto: BBC News Brasil

A pesquisa acabou encontrando uma coincidência com a família do lugar-tenente James Grant Allan, então com 20 anos de idade. E, justamente, seu sobrinho-neto mora a apenas três casas de distância de outra participante da equipe de detetives de guerra.

A família de Allan havia saído da Escócia e se instalado em Gloucestershire, na Inglaterra, onde Nicholas Allan administra um café há mais de 20 anos.

Ele e seus irmãos cresceram sabendo tudo sobre a participação de um de seus parentes na Primeira Guerra Mundial.

‘Fiquei paralisado’

Nicholas Allan estava no trabalho quando recebeu uma ligação telefônica de Nicola Nash, contando que sua amostra de DNA apresentou coincidência e que os restos encontrados na França eram do seu tio-avô, James Allan.

“Aquilo me deixou paralisado”, relembra ele.

“Os pelos da parte de trás do meu pescoço se ergueram. Fiquei pensando, ‘oh, meu Deus, por que isso está acontecendo? Por que especificamente ele [James Allan] e não milhares de outros?'”

Exatamente na noite anterior, Nicholas Allan havia encontrado um álbum de família com fotos e cartas, muitas delas do seu tio-avô Jim.

O irmão mais novo de Nicholas, Christopher, e sua irmã Rebekah haviam relido as cartas que ele havia enviado para casa da linha de batalha.



Rebekah e Christopher Allan haviam lido as cartas que seu tio-avô enviou para casa da frente ocidental da Primeira Guerra Mundial

Foto: BBC News Brasil

“Ele era apenas um menininho… Fico triste por ele não ter vivido sua vida”, lamenta Christopher Allan.

Nicola Nash conta que sentia “uma conexão muito especial” com os dois soldados, de tanto que ela havia aprendido sobre suas histórias.

“E sinto que também mantenho conexão especial com as duas famílias, pois elas se envolveram muito e foram brilhantes”, ela conta.

No final de setembro, Gordon McPherson e James Allan foram sepultados no Cemitério Britânico de Loos, a apenas algumas centenas de metros de onde foram encontrados.

Alistair McPherson conta que ficou feliz ao saber que seu parente havia finalmente sido encontrado e sepultado.

“Estou simplesmente muito, muito emocionado, de uma forma boa, de forma positiva. Não podíamos ter desejado um desfecho melhor, depois de todo esse tempo.”

‘Precisamos de uma caixa maior’

Após a cerimônia, Alistair e Andrew McPherson receberam de presente os botões da Newcastle Corporation Tramways em um pequeno estojo emoldurado e uma bandeira britânica dobrada.

“Vamos precisar de uma caixa preta maior”, comentou Alastair.

Nicholas Allan conta que ficou “deslumbrado” com o que os detetives de guerra haviam feito e “muito agradecido” pelo seu trabalho.

“É simplesmente muito emocionante e um verdadeiro privilégio”, declarou ele.

Nos últimos dez anos, a unidade de recuperação do CWGC e os detetives de guerra encontraram e sepultaram os restos de mais de 300 soldados britânicos. Os nomes da maioria deles não foram encontrados, mas seu trabalho identificou 60 soldados que morreram em batalha.

Milhares ainda estão desaparecidos e alguns nunca serão encontrados. Mas os detetives de guerra afirmam que seu trabalho nunca irá parar.

Fonte: Site Oficial Terra

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