Ao longo do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), especialistas em Direito já haviam calculado que, se ele fosse condenado por todos os crimes do quais foi acusado, sua pena mínima possível seria de cerca de 12 anos e a máxima, de aproximadamente 40 anos.
Nesta quinta-feira (11/09), a Primeira Turma do STF decidiu: Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão, em regime inicial fechado.
Entrevistados pela BBC News Brasil consideraram a pena dentro do esperado, considerando por exemplo o papel de liderança de Bolsonaro nos crimes pelos quais foi considerado culpado pelo STF — organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; golpe de Estado; dano qualificado pela violência e grave ameça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima; e deterioração de patrimônio tombado.
Além de Bolsonaro, os outros sete réus na ação penal também foram condenados.
“As penas foram compatíveis com o que se esperava, tanto considerando os crimes que eram imputados quanto comparando com as pessoas que efetivamente foram nas manifestações do 8 de janeiro. Foram penas mais elevadas, dado que esses réus lideraram efetivamente, coordenaram aquelas pessoas”, diz Wallace Corbo, professor de Direito na Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, referindo-se às pessoas condenadas por participar de ataques e invasões à Praça dos Três Poderes em Brasília em 2023.
O desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) Marcelo Semer e o professor de Direito processual penal João Pedro Pádua, da Universidade Federal Fluminense (UFF), destacam que o ex-presidente foi condenado por todos os cinco crimes aos quais respondia.
“Não houve excesso. Ela [a pena] poderia chegar a 43 anos. E as pessoas sem poder de mando receberam até 17 anos”, afirmou Semer. “São vários crimes.”
“A gente está falando de um máximo de pena de 40 anos. O líder Jair Bolsonaro ficou em torno de 27 anos, o que é cerca de dois terços da pena máxima. É uma pena razoável, mais ou menos o esperado”, acrescenta Pádua.
Taiguara Libano, professor de Direito penal do Ibmec no Rio de Janeiro, avalia que, mesmo dentro do esperado, trata-se de uma pena alta.
Ele aponta também que todos os réus — com exceção de Mauro Cid, que fez uma delação — tiveram penas acima do mínimo possível.
“O entendimento dominante na jurisprudência é fixar a pena no mínimo legal, com a pena podendo ser majorada quando há algum fundamento que justifique o acréscimo. Possivelmente, o que pode ter pesado em desfavor do ex-presidente e dos outros réus é a circunstância judicial da culpabilidade. A Primeira Turma pode ter considerado que a gravidade foi extremada, o que justificaria um acréscimo”, aponta Libano.
O professor do Ibmec-RJ cita o “Plano Punhal Verde Amarelo”, encontrado durante as investigações e que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), tinha o objetivo de restringir a liberdade e até matar o ministro do STF Alexandre de Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Para Libano, esse tipo de evidência pode justificar um “altíssimo grau de reprovação das condutas” dos condenados por parte do STF.
“Espera-se do chefe do Poder Executivo um comportamento de acordo com a lei, com a Constituição. A responsabilidade de um chefe do Poder Executivo é maior do que de um cidadão comum. Então, o Supremo deve ter levado isto em consideração ao fixar as penas”, diz o professor, destacando que ainda não é possível ter acesso à íntegra do acórdão de julgamento e fazer uma análise mais detalhada.
As penas determinadas pelo STF foram:
- Alexandre Ramagem: 16 anos, 1 mês e 15 dias de privação de liberdade em regime inicial fechado e 50 dias-multa
- Almir Garnier: 24 anos de privação de liberdade em regime inicial fechado e 100 dias-multa
- Anderson Torres: 24 anos de privação de liberdade em regime inicial fechado e 100 dias-multa
- Augusto Heleno: 21 anos de privação de liberdade em regime inicial fechado e 84 dias-multa
- Jair Bolsonaro: 27 anos e 3 meses de privação de liberdade em regime inicial fechado e 124 dias-multa
- Mauro Cid: 2 anos de reclusão em regime aberto
- Paulo Sérgio Nogueira: 19 anos de privação de liberdade em regime inicial fechado e 84 dias-multa
- Walter Braga Netto: 26 anos de privação de liberdade em regime inicial fechado e 100 dias-multa
Para Taiguara Libano, a pena de 2 anos em regime aberto para Mauro Cid demonstra que a maioria da Primeira Turma do STF ratificou sua delação.
“O acordo previa uma redução importante da pena. O Supremo entendeu que o acordo foi válido, relevante para identificar a autoria dos demais réus nessa ação penal. Então, o acordo de colaboração foi validado e os benefícios previstos no acordo foram cumpridos”, diz o professor do Ibmec-RJ.
Para o desembargador Marcelo Semer, a pena para Cid foi baixa.
“Mas eles [ministros do STF] acharam por bem manter o acordo. E isso gera um grande estímulo à delação, principalmente nos outros núcleos”, destaca o jurista.
E como fica a situação de Bolsonaro?
Os especialistas também explicaram que, para haver prisão, é preciso haver o trânsito em julgado — quando não há mais a possibilidade de recursos e a decisão se torna definitiva.
E para haver trânsito em julgado, é preciso que eventuais recursos possam ser apresentados, o que pode acontecer assim que for publicado o acórdão, um documento registrando a decisão colegiada.
Como a ação penal já começou sendo avaliada no STF — e não na primeira instância, como processos comuns —, os recursos disponíveis são os embargos.
Os embargos de declaração, que podem ser apresentados seja qual for o placar, servem para esclarecer ambiguidade, omissão, ou contradição no acórdão.
Eles quase nuncam mudam o mérito, mas podem levar, por exemplo, a uma redução de pena.
Já os embargos infringentes têm o poder de mudar o resultado do julgamento.
A assessoria do STF diz que só é possível apresentar os embargos infringentes “se houver dois votos pela absolvição” — entretanto, os réus foram condenados na Primeira Turma com placar de 4 votos a 1.
Apenas Luiz Fux votou pela absolvição de Bolsonaro e mais cinco réus. Para Mauro Cid e Braga Netto, ele votou pela condenação apenas pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado de Direito.
Taiguara Libano afirma que pode até acontecer o pedido de “embargos dos embargos”, ou seja, um recurso contestando uma primeira avaliação dos embargos de declaração.
Ele diz que isso é “improvável, mas possível” de acontecer, pois o STF pode avaliar que a intenção do segundo recurso é apenas protelar a decisão definitiva.
Libano estima que o trânsito em julgado, neste caso, ocorra em cerca um mês.
Marcelo Semer explica que um pedido de prisão domiciliar deve vir depois do trânsito em julgado e após os mandados de prisão serem expedidos.
Bolsonaro já está em prisão domiciliar desde o início de agosto — mas como medida cautelar imposta pelo ministro Alexandre de Moraes, que considerou que o ex-presidente descumpriu ordens de restrição anteriores.
Semer destaca que a prisão domiciliar depois da condenação é algo excepcional. Deve ser demonstrado que o réu não pode receber cuidados no local em que estiver preso.
Para João Pedro Pádua, da UFF, Bolsonaro deve conseguir cumprir a pena em prisão domiciliar devido a questões de saúde, seguindo o precedente do ex-presidente Fernando Collor
De todo modo, mesmo que o ex-presidente não tivesse questões de saúde — muitas delas consequências da facada que levou durante a eleição de 2018 —, Taiguara Libano explica que “certamente” Bolsonaro não teria que ficar 27 anos na cadeia.
Isso porque a Lei de Execução Penal prevê a flexibilização da pena após certo tempo, mediante decisão de um juiz.
Para crimes com emprego de violência ou grave ameaça — como golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado democrático, segundo Libano —, um preso pode ir do regime fechado para o semiaberto depois de cumprir 25% da pena, por exemplo.
Fonte: Site Oficial Terra